Todos os dias o passarinho pousava naquele terraço e ficava observando um homem andando de um lado para o outro, parecendo preocupado, alheio a sua presença; e ele resolveu gorjear, cantar; mas não conseguiu o seu intento; e continuou visitando aquele homem...
Foi ganhando a sua confiança e o homem até sorriu quando o viu mais uma vez; em outro momento ele lhe ofereceu uma banana e uma vasilha de água, deixando-as em cima do muro; então o passarinho percebeu que o homem era seu amigo e lhe tinha afeição; uma amizade se iniciou entre eles; podia chover e lá estava o passarinho no terraço, e o homem também.
Já não importava ao passarinho voar alto, ele se sentia feliz, voando baixo, pairando no terraço, ficando ao lado de seu amigo; um dia ele chegou muito diferente, olhou-o de um jeito esquisito, e o surpreendeu apontando algo pra o passarinho; mas se vinha de seu amigo, só poderia ser bom, prazeroso; resolveu então entoar um canto tão mavioso como nunca tinha cantado antes, e olhá-lo com aquele jeito especial de amor e ternura.
Mas foi surpreendido, açoitado por uma pedrinha, lançada de um estilingue, que dilacerou as suas asas ele gemeu de tanta dor e caiu...quando acordou estava preso em uma gaiola, e o seu amigo o observava; aliás todos dias, ele vinha só pra observá-lo, trocar a sua água e a sua comida...mas nada era mais igual, o passarinho não tinha alegria de cantar, de gorjear, nem muito de saborear a sua comida.
Também não conseguia mais se alegrar com a presença de seu amigo, nem confiar mais nele; e quando ele se aproximava, o pobre passarinho se encolhia e se afastava.
Quanto tempo esse martírio durou o passarinho nem sabia aquilatar, mas a dor não passava; por que aquele homem não tinha atirado a pedrinha na sua cabeça, era melhor a morte, do que viver preso, sem ter o amor verdadeiro de seu amigo.
Um dia o homem chegou mais uma vez diferente, pegou a gaiola e foi ao terraço...e novamente ficou andando de um lado para o outro e quando o passarinho observou-o melhor, viu que ele estava chorando e se aproximou da gaiola e abriu a sua porta e disse: Voe, voe, seja livre!
Mas o passarinho não conseguia sair da gaiola, nem se mexer do lugar; e o homem gritando e ele não se mexendo; até que o homem irritado saiu do terraço, deixando a gaiola aberta e o passarinho não se mexia, tremia de medo e pavor, só de pensar em voar e deixar o seu maior algoz.
Anoiteceu e o homem voltou ao terraço, com um cheiro forte de bebida; e fechou a gaiola, levou-a para sala, cobrindo-a com um pano preto; e o passarinho tristonho dormiu. E ele ligou a televisão e ficou assistindo-a até dormir, roncar...
Assim caminha a interação do homem com seu passarinho; os dois contagiados com a sombra da síndrome da asa partida; bicho homem preso na sua casa com medo de se relacionar, sair x passarinho bicho medroso, tolhido, com medo de voar; mesmo tendo se recuperado das feridas das suas asas; as feridas da sua alma não cicatrizaram e ainda sangram....